“A Veja dá a entender que não eram fantasiosas as contas no exterior. E não oferece um único indício digno de confiança. Infere, da identidade dos acusadores e dos interesses em jogo, a verdade do conteúdo do documento. A falácia é de doer na retina.” (trecho da sentença que condenou “Veja”)
por Rodrigo Vianna
Quase oito anos se passaram. A Justiça levou tanto tempo para ser
feita, que a vítima dos ataques covardes já não está entre nós. Fundador
do PT, bancário de profissão, Luiz Gushiken foi ministro da SECOM na
primeira gestão Lula. Por conta disso, teve seu nome incluído entre os
denunciados do “mensalão” (e depois retirado do processo, por absoluta
falta de provas)…
Mas os ataques de que tratamos aqui são outros. Em maio de 2006, a
revista “Veja” publicou uma daquelas “reportagens” lamentáveis, que
envergonham o jornalismo. A torpe “reportagem” (acompanhada de texto de
certo colunista que preferiu se mudar do Brasil – talvez, por vergonha
dos absurdos a que já submeteu os leitores) acusava Gushiken de manter
conta bancária secreta no exterior. Segundo a publicação da editora
Abril, os ministros Marcio Thomaz Bastos, Antonio Palocci e José Dirceu
(além do próprio Lula!) também manteriam contas no exterior.
Qual era a base para acusação tão grave? Papelório reunido por ele
mesmo – o banqueiro Daniel Dantas. A “Veja” trabalhou como assessoria de
imprensa para Dantas. Da mesma forma como jogou de tabelinha algumas
vezes com certo bicheiro goiano. Mas mesmo ataques vis precisam
adotar alguma técnica, algum rigor.
No caso das “contas secretas”, não havia provas. Havia apenas o
desejo da revista de impedir a reeleição de Lula. O vale-tudo estava
estabelecido desde o ano anterior (2005) – com a onda de “denuncismo”
invadindo as páginas (e também as telas – vivi isso de perto na TV Globo
comandada por Ali Kamel) da velha imprensa.
Pois bem. Gushiken processou a “Veja”. O trabalho jurídico (árduo e
competente – afinal, tratava-se de enfrentar a poderosa revista da
família Civita) ficou por conta do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados
– com sede em São Paulo. Em primeira instância, a revista foi
evidentemente derrotada. Mas a Justiça arbitrou uma indenização
ridícula: 10 mil reais! Sim, uma revista que (supostamente) vende 1
milhão de exemplares por semana recebe a “punição” de pagar 10 mil reais
a um cidadão ofendido de forma irresponsável. Reparem que este
blogueiro, por exemplo, que usou uma metáfora humorística para se
referir a certo diretor da Globo (afirmando que ele pratica “jornalismo
pornográfico”), foi condenado em primeira instância a pagar 50 mil reais
a Ali Kamel! E a “Veja” deveria pagar 10 mil… Piada.
Mas sigamos adiante na história de Gushiken. O ex-ministo recorreu ao
Tribunal de Justiça de São Paulo. Antes que os desembargadores
avaliassem a demanda, Gushiken morreu. Amigos mais próximos dizem que o
estado de saúde dele (Gushiken lutava contra um câncer) se agravou por
conta dos injustos ataques que sofreu nos últimos 8 anos.
Gushiken morreu, mas a ação seguiu. E os herdeiros agora acabam de
colher nova vitória contra “Veja”. O TJ-SP mandou subir a indenização
para 100 mil reais, e deu uma lição na revista publicada às margens
fétidas da marginal.
O desembargador Antonio Vilenilson, em
voto seguido pelos demais desembargadores da Nona Câmara de Direito
Privado do TJ-SP (apelação cível número 9176355-91.2009.8.26.0000),
afirmou:
“A Veja dá a entender que não eram fantasiosas as contas no exterior. E não oferece um único indício digno de confiança. Infere, da identidade dos acusadores e dos interesses em jogo, a verdade do conteúdo do documento. A falácia é de doer na retina.”
Quanto aos valores, o TJ-SP sentenciou:
“A ré abusou da liberdade de imprensa e ofendeu a honra do autor. Deve, por isso, indenizá-lo. No que diz com valores, R$ 10.000,00 não condizem com a inescusável imprudência e com o poderio econômico da revista. R$ 100.000,00 (cem mil reais) atendem melhor às circunstâncias concretas.”
Chama atenção que a Justiça tenha levado 8 anos para julgar em
segunda instância (portanto, há recursos possíveis ainda nos tribunais
superiores) caso tão simples. O “Mensalão” – com 40 réus na fase inicial
– foi julgado antes.
A Justiça é rápida para julgar pobres, pretos, petistas. E
eventualmente é rápida também para punir blogueiros que se insurgem
contra a velha mídia. Mas a Justiça é lenta para punir ricos, tucanos e
empresas de mídia.
De toda forma, trata-se de vitória exemplar obtida por Gushiken – que era chamado pelos amigos mais próximos de “samurai”…
E falando em samurais, há um ditado oriental que diz mais ou menos o
seguinte : submetido ao ataque de forças poderosas, o cidadão simples
deve agir como o bambu - sob ventania intensa pode até se inclinar, mas
jamais se quebra.
O “samurai” ganhou a batalha. Inclinou-se, ficou perto de quebrar-se.
Mas está de pé novamente. E é de se perguntar, depois da sentença
proferida: quem está morto mesmo? Gushiken ou o “jornalismo” apodrecido
da revista ”Veja”?
Nunca antes na história desse país, o Judiciário adotou expressão tão
precisa e elegante para descrever fenômeno tão abjeto: a revista da
família Civita produz “falácias de doer na retina”. E não são poucas.
(Publicado originalmente no site O Escrevinhador)
Nenhum comentário:
Postar um comentário