Em nossa época de estudante, os professores sempre definiam nossa experiência democrática como uma democracia liberal. ao longo dos anos, a despeito das dificuldades em consolidar a nossa experiência democrática, o conceito - pelo menos a nível da academia - sempre continuou sendo muito recorrente. Logo depois, fomos percebendo - com grande pesar - que, dada às nossas condições sociais, culturais e históricas - tornava-se muito improvável consolidar uma experiência democrática no país. É imenso o hiato entre democracia política e democracia substantiva.
Enquanto escrevo este texto, 33 milhões de brasileiros e brasileiras estão enfrentando a condição de insegurança alimentar, temos um presidente eleito preocupado com essa questão e, do outro lado, um mercado que não dá a mínima para este fato, unicamente preocupado com os ajustes fiscais. Os assédios para que o futuro presidente defina logo as regras do jogo são imensos, capaz de derrubar a bolsa e levantar a cotação do dólar às alturas. O mercado representa os interesses dessa elite abjeta e insensível, considerada como a mais perversa do mundo, forjada num processo escravagista de 365 anos.
Li, com muito atenção, o artigo escrito pelo cientista político Fernando Schuller, no site da revista Veja, onde ele envereda pelo tema das fake news, da censura prévia e, naturalmente, sobre a germinação de um eventual modelo de democracia iliberal no país, tendo experimentos como os modelos de gestão pública da Turquia e a Hungria como referências. Como bem descreve esta realidade, citado pelo autor, o historiador Sérgio Buarque de Holanda já alerta sobre os perigos dos vícios do processo de colonização portuguesa - indefinindo as fronteiras entre o público e o privado - inviabilizaram a democracia entre nós. Somos a sociedade dos laços familiares, do familismo amoral, dos favores. Onde um indivíduo deve favor ao outro, a impessoalidade inexiste.
Há uma frase dele muito emblempatica - frequentemente utilizada por este editor, ao tratar deste assunto - onde ele define bem isso: No Brasil, a democracia sempre foi um grande mal-entendido. Há a questão também dos tapinhas nas costas, dos acordos entre amigos. O sociólogo Gilbeto Freyre argumentava que fomos uma sociedade constituída sob bases sadomasoquistas, o que também seria algo que poderia interditar o nosso processo democrático. Curioso que Gilberto mantinha divergências com o professor Sérgio Buarque de Holanda, mas, numa dessas visitas ao Estado de Pernambuco, Sérgio experimentou o famoso licor de pitangas oferecido pelo sociólogo e tudo ficou dissipado.
Este editor concorda com boa parte dos argumentos apresentados pelo cientista político Fernando Schuller, que sempre tem uma preocupação de subsidiar seus argumentos ancorados em boas bases teóricas e empíricas. Talvez apenas num ponto possamos discordar. Nesses modelos de democracia iliberais, o ovo da serpente está no poder Executivo e não no Judiciário. O modelo que mais se aproxima do Brasil é o da Hungria, principalmente o modelo implantado por Victor Orbán.
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