A despeito de ser uma instituição religiosa, a Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros acaba de produzir uma importante reflexão sobre o momento político brasileiro, se colocando abertamente contra o golpismo e o impedimento da Presidente da República. Não deixa de ser curioso esse pronunciamento, num instante em que outros órgãos e instituições laicas, que deveriam ter uma postura legalista e a favor do cumprimento das leis no país, agem exatamente no sentido contrário. Se a Igreja católica não se pronunciasse ou viesse a ter uma posição crítica em face do governo federal, até que seria compreensível, sobretudo em outros tempos. Mas que entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil, a Magistratura Federal, a Procuradoria Geral da República e os ministros do STF adotem uma eloquente posição de defesa (corporativa) de procedimentos ilegais tomados por um juiz de primeira instância em nosso país. Deve haver algum problema de jurisprudência ou interpretação.
Segundo o ministro-ativista Gilmar Mendes, o magistrado não deve mais guardar imparcialidade ou isenção diante dos fatos políticos. O juiz não é mais a “boca da lei”: ele deve ir além e tomar partido publicamente nas causas em que atua. Deve e pode adiantar em entrevistas e declarações o seu voto, sem temer o risco do pré-julgamento ou da falta de imparcialidade. Pior é a posição do senhor Sérgio Moro (professor licenciado da UFPR, mas que recebe vencimentos dessa instituição). Segundo esse magistrado de primeira instância, mesmo que o procedimento seja ilegal, afronte as leis do país, isso não tem a menor importância em relação ao conteúdo daquilo que foi obtido pelo procedimento. Mais ainda, em se tratando de autoridades com foro privilegiado, nada impede do magistrado (de primeira instância), tomar conhecimento e divulgar amplamente na mídia, atropelando o devido processo legal, a presunção de inocência e o amplo direito de resposta. Tudo em nome do que ele considera monocraticamente como “interesse público”. Juízes que aceitaram pedidos de liminar contra atos do Poder Público Federal, ajuizados por partidos políticos (o que não é permitido), tomaram parte em manifestações de rua contra o governo e o ex-presidente da República. Até mesmo o Procurador geral da República, o senhor Rodrigo Janot, ainda que fora do Brasil, autorizou a divulgação dos grampos sem sequer ter ciência do conteúdo, que envolvia a Presidente da República.
Menção à parte cabe aos ministros da suprema corte brasileira, que caminho a reboque das arbitrariedades do juiz Sérgio Moro e reagem corporativamente às críticas do chamado “ativismo judicial”, do senhor Gilmar Mendes. Têm razão os que afirmam terem os magistrados tomado posição, ao invés de se manterem como guardiões da Constituição. Se até pouco tempo, diante da imensa crise de representação parlamentar que vimos assistindo nesse segundo mandato da Presidente Dilma, havia uma expectativa de uma posição equilibrada e racional dos ministros do STF em relação ao conflito dos outros Poderes, a essa altura já não é mais possível alimentar qualquer ilusão sobre a posição (arbitral, isenta) da suprema corte. Terá prevalecido a tese do “advogado do PSDB” no Supremo Tribunal Federal.
É preciso convir que essa nova postura do Poder Judiciário Federal só se explica pela associação com a mídia, que não só promove e destrói notabilidades de ocasião, mas que vem pautando o julgamento das pessoas no Brasil, independentemente da estrita legalidade, moralidade e impessoalidade que devem orientar os atos da administração pública. A mídia tornou-se, em última instancia, a fonte da legalidade, do bom direito nesse amontoado de medidas arbitrárias, ilegais ofensivas aos direitos e garantias individuais. A mídia é o curso de Direito Penal da magistratura brasileira, numa das fases mais sombrias das instituições democráticas no país.
Assim, diante da cumplicidade da OAB (beneficiária em Pernambuco da graciosa oferta pelo Poder Judiciário de sua nova sede), a voz límpida, clara dos bispos brasileiros se levanta para defender o Estado de Direito.
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE
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