No Brasil, os institutos da regime presidencialista se
prestam a todo tipo de interpretação, segundo as conveniências de cada partido,
grupo ou seita de fanáticos. O liberalismo já foi comparado à Bombril, tem sido
usado para mil-e-uma utilidades, menos para estimular a criação de uma cultura
libertária. A democracia foi chamada por Sérgio Buarque de Holanda de um
profundo mal entendido entre nós. E o processo de “Impeachment” foi comparado
por Fernando Henrique Cardoso à bomba atômica, existe na Constituição, mas não
é para ser usado (contra ele e seus partidários). Agora, surgiu um
“Impeachment” sem uma causa fixa ou determinada. Todo dia a opinião pública
toma conhecimento que a oposição vai entrar com um novo pedido de “Impeachment”.
É o caso de se perguntar pelos fundamentos jurídicos do primeiro, do segundo,
do terceiro e assim infinitamente processo de “Impeachment”.
Ou seja, antes de
tudo se resolve buscar o impedimento do cargo exercido democraticamente pela
Presidente da República. Depois, se procura os argumentos, as provas, as
justificativas. No fundo, o motivo é um só: o descontentamento com o resultado
das eleições de 2014. O instituto do “Impeachment” banalizou-se. Tornou-se um
mecanismo de racionalização de uma vontade de poder insatisfeita, inconformada
com o resultado das urnas. Mais grave é apoiar esse mecanismo de
racionalização, sem crime, sem dolo, sem motivação ou culpa, ainda que
eventual.
Vamos aos fatos. O atual processo de “Impeachment” - subscrito por
Miguel Reale Junior e Hélio Bicudo - pede a cassação do mandato de Dilma por
crimes contra a lei orçamentária, são as chamadas “pedaladas fiscais”, ou seja,
antecipações de operação de crédito para a União, sem autorização do Senado
Federal, sob a alegação da necessidade de pagamento da prestação dos Programas
Sociais do governo (Bolsa Família, Minha Casa, Minha vida) efetuada pelos
bancos públicos. Diz-se que estes estão proibido de contrair operações de
crédito com a União.
Ocorre que essas
operações são usuais entre a instituição financeira e seus clientes. Quando as
empresas precisam fazer pagamentos e não têm fluxo de caixa suficiente, os
bancos antecipam créditos, na expectativa de receberem receitas que cubram
essas antecipações. Não há nem prejuízo para os cofres públicos,
nem dolo ou culpa ou suspeita de locupletação. Pode até ter havido descumprimento da lei
orçamentária, mas não houve má-fé, uso indevido de recursos públicos. O
dinheiro antecipado pelos bancos tinha com fim o financiamento de Programas
sociais.
Agora vem as
conversas obtidas ilegalmente pela Polícia Federal e um juiz de primeira
instância que poderiam embasar uma acusação de obstrução à Justiça, por conta
da nomeação de Lula para a Casa Civil e o acesso a ministros do STF para
barrarem as ações contra o ex-presidente da República. Ao
que se sabe, a comissão rejeitou a anexação desses grampos telefônicos ilegais
no processo em análise na Câmara dos Deputados. Além do vício na obtenção das
provas, que as anulariam em qualquer tribunal do mundo, não há provas materiais
de que houve interferência concreta da Presidenta ou de seus ministros em favor
de Lula. Uma coisa é o pedido. Outra é
saber se foi cumprido e resultou em êxito ou fracasso. A ministra Rosa Weber,
por exemplo, acaba de indeferir a ação interposta a favor de Lula no STF.
Há também a questão da aprovação ou não das contas de campanha das
eleições de 2014. Primeiro, elas tinham sido aprovadas pelo TSE. Segundo, os
fatos novos que teriam surgido depois e que justificaram a reabertura do
processo, a pedido de Gilmar Mendes, conhecido desafeto do PT e da Presidente
Dilma, foram fornecidos por um auxiliar daquela corte e sequer chegaram à
apreciação dos ministros. Então é muito
estranho que esse processo seja reaberto, por um juiz “ativista”, que já
declarou publicamente sua repulsa a este governo. E os doadores de campanha
mencionados nas delações premiadas que abastecem diuturnamente esses processos
são os mesmos que financiaram a campanha dos políticos da oposição. Alguma
novidade nisso?
No fim das contas, a motivação política (e inspiradas em interesses
inconfessáveis) é a mãe desse processo de “Impeachment”. Apesar da declaração
de que a comissão do exame da admissibilidade do processo vai consultar
juristas e advogados administrativistas e constitucionalistas, a questão é
numérica. Tem a Presidente Dilma 171 votos na Câmara dos Deputados para barrar
a tramitação do processo, ou a defecção de seus “aliados” não oferece a menor
garantia desse apoio a ela? –Prestar atenção nos próximos movimentos do PMDB,
partido da traição nacional. A data é 29 de março.
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE
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