Os livros do escritor gaúcho Érico Veríssimo animaram nossas leituras de adolescente, ao lado do paraibano José Lins do Rego. Fazemos aqui o registro de que não são todos os livros de Érico. Há uma fase em que ele envereda por livros de cunho espiritualistas, os quais já não líamos com o mesmo prazer dos seus romances históricos. Curioso que Érico Veríssimo trabalhada numa farmácia e escrevia nas horas vagas. Seu filho, Luis Fernando Veríssimo, preferia as narrativas curtas, como os contos e crônicas, gêneros nos quais se tornou um dos grandes nomes da literatura brasileira. Um bom escritor precisa ter, entre outras qualidades, uma sensibilidade aguçada sobre o mundo e as pessoas, algo que Luis Fernando Veríssimo desenvolveu tão bem, se tomarmos como referência as Comédias da Vida Privada, que a Rede Globo transformou em minissérie, com o desempenho impagável dos atores Marco Nanini, Diego Vilela, Pedro Cardoso, das atrizes Giulia Gam, Andréa Beltrão e a premiada Fernanda Torres.
Quando estávamos de viagem ao estado do Ceará, mais precisamente em sua região de serras e Mata Atlântica preservadas, no Maciço do Baturité, na cidade de Redenção - a primeira cidade a libertar seus escravos no país - líamos uma de suas crônicas durante os intervalos. A crônica tinha como título Tudo que vicia começa com "c", onde ele fazia uma relação dos vícios que começam com "c", a exemplo do cigarro, da canabis, da cachaça, da cocaína, entre outros. Aproveitamos o ensejo e escrevemos uma Tudo que vicia começa com "c" II, com base nos atrativos da terra cearense, como a castanha de caju, a cajuína, carne de sol, Canoa Quebrada, Crato, entre outros "Cs".
No primeiro dia que ingressávamos na UFPE, eis que quase esbarramos, quando subíamos as escadarias do CAC, com uma figura esguia, passos largos, trajando indefectíveis roupas em tom caqui, que seria a sua marca registrada, segundo dizem confeccionada por uma costureira de sua confiança, a quem ele delegou, inclusive, a costura de seu fardão para a posse na Academia Brasileira de Letras. Era o paraibano Ariano Suassuna em pessoa, que ministrava a cadeira de Estética naquela instituição de ensino, depois que havia optado pelo magistério, decepcionado com a carreira jurídica. O encontro está registrado no nosso terceiro romance, Tramas do Silêncio. Pouco tempo depois estávamos dando grandes gargalhadas em suas aulas espetáculos.
Millôr Fernandes, como o Millôr escrito assim, como ele mesmo explica, por falha do escrevente do cartório, era um artista múltiplo, com uma inteligência privilegiada. A primeira página que abríamos na antiga Veja impressa, onde ele passava seus regados, carregados de ironia, todas as semanas. Sabe-se que se trata de uma limitação tratar os seus textos apenas como textos carregados de ironias, uma figura de linguagem que não dá conta do seu raro talento. Havia uma lâmina aguda, cortante em seus petardos contra o sistema, contra os opressores, contra os violadores dos direitos humanos, algo que deixou marcas indeléveis tanto na direita, quanto na dita esquerda, quando ele perguntou, por exemplo, se a luta armada seria ideologia ou "investimento". Os três aparecem assim, num dia ensolarado, curtindo as delícias do balneário de Porto de Galinhas.
