No passado já foi mais simples definirmos os parâmetros ou os indicadores de um regime democrático. Hoje está tudo muito confuso. O último ranking do Varieties of Democracy (V-Dem), formado por cientistas políticos da Universidade Gotemburgo, na Suíça, por exemplo, enaltece o fato de termos salvo as nossas instituições democráticas em 2022, com mais uma eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Isso ocorreu logo após mais uma daquelas investidas autoritárias capitaneadas por forças bem conhecidas nossas, o que não deixa de ser algo alvissareiro. Evitamos o pior, é verdade, mas não saímos do lodaçal institucional que foi criado, que c0nta com apoio hoje até de forças internacionais. Ou seja, o fermento autocrático continua ativo no país, se manifestando ora através de parlamentares eleitos; ora através de governadores de direita; ora na saúde debilidade do aparelho de Estado; ora nas ruas, onde essas forças contam com uma massa de apoiadores, que pretendem mobilizar por ocasião da comemoração do 7 de setembro, conforme se já se especula.
À medida em que se aproxima os dias de ajustes de contas dos obscurantistas com as forças legítimas de nossa democracia, os golpistas parecem mais firmes na convicção de acionarem os dispositivos que possam lhes assegurar a impunidade. PL da Anistia; mudanças de foro - porque golpistas e corruptos selaram uma aliança -; articulação internacional contra as nossas autoridades. É neste aspecto que se torna tão difícil, de fato, aferir a saúde de um regime democrático, tomando apenas como exemplo o nosso caso. Para variar, a nossa experiência democrática é sui generis, forjada numa indiferença entre o público e o privado, sob o signo do trabalho escravo, onde 0 reconhecimento dos direitos do outro ainda se constitui numa luta contínua.
Lá atrás, quando adentrávamos os bancos escolares para estudar Ciência Política, sempre nos chamou muita a atenção uma expressão do historiador da filosofia francês, Claude Lefort, onde ele afirmava que uma democracia que não se amplia tende a morrer de inanição. Por inúmeras razões, entre as quais o hiato entre democracia política e democracia substantiva, sempre tivemos sérios problemas em consolidar um regime inviolável, de plena democracia, capaz de sobreviver às placas tectônicas autoritárias. Nunca passamos de quatro mandatos presidenciais de quatro anos sem um novo solavanco. Há quem afirme que se chegarmos ao quinto mandato, as tentativas autoritárias serão suprimidas. Dada à nossa especificidade, temos aqui as nossas dúvidas.

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