José Luiz Gomes
Paulo Freire é um educador pernambucano, do país de Casa Amarela. Suas atividades profissionais começaram ali no SESC daquele bairro do Recife. Escrevemos vários textos sobre Paulo Freire, mas confesso que, ao lê-los, hoje, não mais nos sentimos à vontade em republicá-los, por inúmeras razões. Ora porque eles já não traduzem a atualidade do pensamento do educador pernambucano, ora porque, como tudo que escrevemos, estão impregnados de impressões pessoais, como as nossas reações à leitura dos seus livros mais importantes, assim como a impressão que Paulo nos passou naquela aula de encerramento dos alunos do curso de alfabetização de adultos, da Usina Catende.
Mas, como circulamos muito pelo bairro de Casa Amarela, as lembranças são inevitáveis. Outro dia, através das redes sociais, ficamos sabendo que a casa onde o educador residiu em Jaboatão dos Guararapes será transformada num centro cultural. Até bem pouco tempo, estava abandonada pelo poder público. Não sabemos qual foi o destino dado à sua residência de Casa Amarela. Um dos aspectos que mais nos instigam em Paulo Freire é o seu papel de agitador cultural no Movimento de Cultura Popular, criado pelo prefeito Miguel Arraes, lá pelos idos da década de 60. Não raro relemos o Memorial do MCP apenas para recordar "daqueles tempos". Havia até um livro sobre "educação de adultos", elaborado por duas professores militantes do MCP. Por alguma razão, Paulo não gostava do livro.
Escrevendo uma postagem aqui no blog, sobre a suposta condição de fundador do PT atribuída a Hélio Bicudo, tese não confirmada. Eis que encontro a assinatura de Paulo Freire na histórica reunião do Colégio Sion, em 10 de fevereiro de 1980. Quando assumiu a prefeitura de São Paulo, ainda filiada ao PT, Luíza Erundina entregou a Paulo Freire a secretaria de educação do município. Há muitas historietas sobre Paulo. Numa delas se afirma que ele abandonou uma dessas reuniões chatas e improdutivas de trabalho para pegar um cineminha com a esposa. Nessas historietas, há sempre um toque de bom humor e bastante de sua sensibilidade, o que o tornaria um dos mais respeitados pensadores do campo da pedagogia. Aliás, essas experiências pessoais foram fundamentais para estruturar suas reflexões sobre o ato de educar. A questão do diálogo, por exemplo, tão presente em seus ensaios, foi o resultado, segundo ele afirmou, de uma longa conversa mantida com um operário - noite a dentro - numa localidade de Jaboatão dos Guararapes.
Conta Paulo Freire que enfrentou duas situações, aparentemente constrangedora, quando esteve no Chile e na África. No Chile parece não haver problemas no fato de dois homens se darem as mãos e, na África, durante um passeio pelo campus de uma universidade, depois de uma conferência, viu-se diante de um embaraço. Um professor segurou as suas mãos enquanto ambos passeavam pelo campus. "Pedi a Deus para que alguém de Casa Amarela não nos visse naquela situação". Na primeira oportunidade, colocou as mãos no bolso, de onde não mais as tirou.
Eis que antes de voltar ao Brasil, Paulo adoece, possivelmente vitimado por alguma dessas doenças tropicais. Humanamente muito bem tratado pelos médicos e enfermeiras africanos, que não se cansavam de pegar em suas mãos, acariciá-las e desejar-lhes melhoras. Conta. Depois disso, relata, em suas reflexões, concluiu que deveria haver alguma coisa de errado numa sociedade onde as pessoas se recusavam a receber uma manifestação de carinho, traduzida num caloroso aperto de mão, num abraço fraterno ou, brasileirissimamente, um tapinha nas costas.
P.S: A leitura dessa crônica contrasta radicalmente com o clima de intolerância, agressividades e preconceitos que estamos vivendo hoje no Brasil. No último domingo, jovens de classe média agrediram adolescentes negros que se dirigiam às praias da zona sul carioca. Em viagem por Salvador, João Pedro Stédile, uma das principais lideranças do MST, foi vítima de hostilidades.
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