Os meus leitores pedem que se faça uma análise de conjuntura no Brasil,
hoje. Pois bem: a primeira coisa é definir o que é uma “conjuntura”.
Conjuntura é uma atualização da estrutura. Ou seja, o momento atual do
estrutura, como a estrutura se apresenta num dado momento. A conjuntura
não tem autonomia absoluta em relação à estrutura, que continua sendo
determinante para se entender a lógica dos acontecimentos políticos e
econômicos. A margem de manobra dos atores, na esfera da conjuntura, é
relativa. Ou seja, ela determinada pelas limitações da estrutura. Achar
que essa margem é ilimitada e que os atores podem fazer o quer quiser é
incorrer numa espécie de voluntarismo e suas consequências práticas no
campo social e político.
Como atualização da estrutura, a conjuntura apresenta sempre algo novo,
diferente. Isto porque a correlação de forças e interesses no tabuleiro
político varia. Quando a política de alianças sofre uma mudança, a
sociedade experimenta uma sensação de turbulência, de insegurança ou
crise. As conjunturas são determinadas, em primeira instância, pelas
alianças políticas em jogo. No regime presidencialista a mudança, a
variação dessas alianças tem um impacto imediato sobre as instituições
políticas, que não gozam de nenhum sistema amortecedor ou para-choques,
como no regime parlamentarista. Podemos dizer então que o nosso modelo
político (presidencialista imperial) é um modelo altamente suscetível à
crise. Basta haver uma mudança brusca do sistema de alianças, e o Poder
Executivo se sentir isolado ou incapaz de aprovar no Congresso sua
agenda legislativa. Ou o congresso se colocar contra a agenda do Poder
Executivo.
O regime multipartidário que nós temos (32 legendas e outras tantas em
formação) também não ajuda muito. A atual legislatura é composta de 28
partidos, com 75 parlamentares evangélicos, que obedecem à ordens de
suas Igrejas, somando os parlamentares das bancadas do Boi (os
ruralistas) e da Bala.(Indício de uma grave crise de representação
parlamentar evidenciada pelos movimentodas ruas, em 2013). A presidência
da República possui uma base instável e volátil que não chega a 200
votos na Câmara dos deputados (o que leva o detentor do cargo a empregar
meios – não necessariamente republicanos - para assegurar o apoio de
legendas e partidos fisiológicos – verbas, cargos e obras- para ter
governabilidade) Três legendas Te, sido são particularmente infiéis ao
governo: PTB, PROS, PP. Sendo que o PMDB é uma partido dividido e em
vias de desembarque da coligação dominante, em função de seus próprios
interesses políticos. E o PT tem apresentado muitas restrições aos
pacotes de ajuste fiscal, aumento de impostos, corte ou redução de
direitos dos trabalhadores e aposentados.
A Presidente Dilma, em razão das políticas anticíclicas do primeiro
mandato, baseadas na redução de impostos, o crédito subsidiado,
administração do preço das tarifas públicas, no endividamento do setor
público, no estímulo à demanda interna, num ambiente de crise
internacional e queda do preço das comodities, foi obrigada a adotar uma
política contracionista (pró-cíclica) em relação à economia. Tendo que
enfrentar um déficit nas contas públicas muito grande, que a impede de
cumprir a meta do superávit primário, que ajude a pagar os juros da
explosiva dívida pública (37% do PIB), que custa o serviço de 17% do
orçamento da União e é remunerada por uma taxa de juros de 15% + taxa de
indenização, foi obrigada a assumir uma agenda que não é a sua, nem da
campanha eleitoral, nem do seu partido, nem da sua base. Corte nos
gastos públicos, reforma da Previdência, congelamento de salários,
aumento de impostos, redução de benefícios e direitos, esta agenda
pertence aos adversários (do fundamentalismo fiscal), que produz
desemprego, queda do salário real, queda da arrecadação, retração das
atividades econômicas, altas taxas de juro, recessão e aumento de
impostos. Onde os principais beneficiados são os agentes do mercado
financeiro, sobretudo os portadores de títulos da dívida pública interna
e os exportadores ligados ao agronegócio, por causa da desvalorização
do real e o aumento do dólar.
A crise externa ajuda a piorar este cenário. O Mercosul está em fogo
morto, com crise em vários desses países. A china desacelerou sua
economia e desvalorizou o yuan. E para piorar, o Banco central americano
cogita aumentar as taxas de juros, provocando uma revoada dos
investimentos para os títulos do tesouro americano.
É inegável que a crise política, com a desagregação da base de apoio ao
governo aumenta o potencial de negatividade da crise econômica,
levantando dúvidas nos agentes econômicos sobre a capacidade do governo
honrar compromissos e pagar dívidas. Há um círculo vicioso entre a crise
política e a crise econômica. Ambas se alimentam mutuamente. Há quem
defenda que a Presidente deveria retomar no meio da crise as políticas
anticíclicas de estimulo às atividades econômicas do país. Como se diz:
se é para cair, tem de cair em pé, fazendo a política própria do
partido, sem frustrar mais ainda suas bases. Outros, chantageiam. Embora
não sejam apoiadores do governo, querem que ele se mantenha para fazer a
política favorável aos seus interesses. E há aqueles que torcem
abertamente pelo “quanto pior, pior”. Ou seja, querem o impedimento, a
renúncia ou o afastamento da Presidenta. Mas não há unidade entre estes.
Nem mesmo no maior partido da Oposição.
Esse cenário também se caracteriza pelo avanço da judicialização do
Política, quando os juízes federais tomam a cena e se tornam os fiéis da
balança; e os movimentos sociais se dividem entre a conspiração e o
golpe, assumindo posições filofascista e os que emprestam um apoio
crítico ao governo, mesmo discordando da agenda econômica da Presidenta.
Diferentemente das crises econômicas que são cíclicas: têm começo, meio e
fim, a crise política depende do florescimento de um novo grupo, uma na
hegemonia para passar. A sensação que se tem é que há um esgotamento de
um ciclo econômico e um ciclo político no Brasil. Mas ainda não
apareceram indícios da emergência ou formação de um novo ciclo.
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Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da UFPE e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD/UFPE
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