José Luiz Gomes
Chegamos à UFPE com um grande entusiasmo, no início da década de 80. Nosso circuito envolvia o Centro de Artes e Comunicação, o Centro de Filosofia e Ciências Humanas, o Centro de Educação, O Núcleo de Educação Física, o prédio de Engenharia e o de Ciências Sociais Aplicadas. Cada qual com suas histórias e particularidades. Na quadra de Educação Física, por exemplo, as "peladas" com a turma de Exatas, quando o professor dividia as turmas entre Humanas e Exatas. Disputas renhidas, quase sempre decididas em favor das Humanas, formada por um pessoal mais afeito às manhas e malandragens futebolísticas. Afinal, futebol nunca foi coisa muito exata mesmo. Nem dentro nem fora de campo. Já não éramos o mesmo peladeiro dos campos da Mata do Frio, em Paulista, mas ainda aprontamos algumas, como uma bola tomada no meio de campo, um drible desconcertante em três adversários e um chute indefensável, à lá Didi, caindo como uma folha seca nas redes do adversário. Um golaço. 3x2 para Humanas. 59 minutos do segundo tempo. Nada mais poderia ser feito. Como diria os narradores esportivos, a plateia veio abaixo.
Tínhamos uma namorada no Centro de Educação, o que nos contingenciava a buscar aquele aconchego, um dia sim e outro também. No prédio de Engenharia, apenas os contatos com Renildo Calheiros e Luciana Santos, então apenas dois militantes estudantis do PCdoB. Por essa época, nada nos indicavam que abandonariam a utopia comunista. No CAC, além do curso de Letras, as famosas aulas espetáculo do escritor e teatrólogo que nos deixou até recentemente, Ariano Suassuna. Não era incomum encontrar aquela figura esguia e bem-humorada nas proximidades do CAC, sempre muito atencioso com os alunos. O CFCH sempre realizava seminários importantes, trazendo algumas estrelas do campo acadêmico, como Sartre e Simone de Beauvoir. Por essa época, sua cantina, ali no térreo, era administrada por um cidadão conhecido como Daniel. Havia um prato, conhecido como Tropical, que era o nosso preferido. Várias frutas, queijo e presunto e umas fatias de pão. Uma delícia.
Eventualmente, pagávamos algumas disciplinas isoladas no Centro de Ciências Sociais Aplicadas, atraídos pela busca do conhecimento ou mesmo motivado por outros fatores, como alguma aproximação e identidade com os seus professores. Um desses professores era Pessoa de Moraes, que publicava, com regularidade, seus artigos no Diário de Pernambuco. A identificação com os seus escritos nos motivaram a procurá-lo, por diversas vezes, com o intuito de aprofundar os assuntos comentados nos artigos. Passamos a frequentar as suas aulas e a sua famosa biblioteca, com os livros que ele nos fornecia. Pessoa de Moraes era um professor olhado com reservas pelos militares. Até recentemente, mantínhamos um pasta com todos os seus artigos religiosamente arquivados. Vocês não podem imaginar a tristeza de ter que se desfazer desse material.
Existia também um tipo esquisito, conhecido como professor Wandick, de quem também nos aproximamos. Boa gente, inteligentíssimo, mas de uma personalidade que fugia um pouco aos padrões estabelecidos, o que levava algumas pessoas a considerarem-no estranho. Ai de quem ousasse enfrentar o professor Wandick num debate. Normalmente ele começava suas explanações informando que tinha 300, 400 ou 5000 anos de história, a depender dos temas abordados. Os desavisados que ousavam enfrentá-lo, eram solenemente convidados a trocarem as fraudas primeiro. Nunca o vi perder um desses embates.
Era uma pessoa muito querida no circuito acadêmico. Quando faleceu provocou uma comoção entre os alunos e o pessoal administrativo. Entre os professores, apenas aqueles mais próximos e leais, posto que as igrejinhas, desde sempre, impõe suas regras rígidas e cristalizadas, docemente incorporadas por alguns atores. Eles simplesmente surfam na "onda". Uns cagões sem opinião própria. Dá nojo isso. Muitos chegavam para mim para externarem suas opiniões sobre Wandick sem sequer o conhecerem. Não sei o que Pierre Bourdieu disse sobre isso, mas, parece-nos que esse comportamento independe das leituras, instrução ou grau de conhecimento do indivíduo. Não duvidaríamos que, quando maior a formação, maior a capacidade dessas "igrejinhas" isolarem seus "desafetos" ou "desajustados". Tanto independe que os "serpentários" existem dentro das instituições acadêmicas, com seus Phdeuses e coisas assim. Esquerda, ali, trata-se, tão somente, com raras exceções, de uma "linha de pesquisa". Quem quiser que se engane.
Era uma pessoa muito querida no circuito acadêmico. Quando faleceu provocou uma comoção entre os alunos e o pessoal administrativo. Entre os professores, apenas aqueles mais próximos e leais, posto que as igrejinhas, desde sempre, impõe suas regras rígidas e cristalizadas, docemente incorporadas por alguns atores. Eles simplesmente surfam na "onda". Uns cagões sem opinião própria. Dá nojo isso. Muitos chegavam para mim para externarem suas opiniões sobre Wandick sem sequer o conhecerem. Não sei o que Pierre Bourdieu disse sobre isso, mas, parece-nos que esse comportamento independe das leituras, instrução ou grau de conhecimento do indivíduo. Não duvidaríamos que, quando maior a formação, maior a capacidade dessas "igrejinhas" isolarem seus "desafetos" ou "desajustados". Tanto independe que os "serpentários" existem dentro das instituições acadêmicas, com seus Phdeuses e coisas assim. Esquerda, ali, trata-se, tão somente, com raras exceções, de uma "linha de pesquisa". Quem quiser que se engane.
Não sei muito bem onde li isso, mas conta-se um caso curioso envolvendo o professor Pessoa de Moraes. Por suas
posições políticas, após o Golpe Militar de 1964, foi “convidado” para
interrogatório pelos militares. Primeiro, seu inquisidor pediu que ele
falasse sobre a teoria marxista, levando o professor a explanar sobre o
assunto durante uma hora. Depois foi incitado a pronunciar-se sobre
outro autor, consumindo, então, mais meia hora. Logo em seguida, começou
a explanar sobre a filosofia de Kierkegaard, levando seu interrogador a
desistir do interrogatório, recomendando a sua liberação.
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