* Wagner Braga Batista
Ao
adentrar num supermercado, deparei-me com uma cena grotesca. Duas
mulheres, jovens, esbravejavam, ostensivamente. Uma delas gritava:
- Esta comida não se dá nem pra porco.
Prosseguiu:
- Ainda bem que AINDA não sou militar. Se fosse quebrava tudo.
Atônitas, pessoas dispostas nas enormes e costumeiras filas, entreolhavam-se assustadas.
Os rompantes não cessaram:
- O culpado é este povo imbecil.
Imaginei
que a furiosa fera estivesse interpelando algum destes Abilio Diniz,
sócios de grandes redes de supermercados, franquias estrangeiras, que
controlam a venda de bens no atacado, um destes atravessadores, que
minam a economia popular, grandes frigoríficos, que cartelizam o preço
da carne, fazendeiros, que utilizam trabalho escravo para alimentar
bois, plantacions da sustentabilidade, que disseminam alimentos com
agrotóxicos e nos envenenam, publicitários, que fraudam a quantidade e a
qualidade de produtos ou habituais especuladores, que inflacionam a inflação, para arrancar nossos olhos da cara.
Nada
disto, a Mussolini de saias, agredia verbalmente uma das caixas.
Intimidada e envergonhada, a moça sequer lhe dirigia o olhar.
Pendores autoritários, que estavam restritos a faustosas sacadas e varandas, nos últimos dias descem dos pedestais da truculência. Ganham
as ruas e chegam às portas de supermercados. Trazem no bolso o
protagonismo de sempre, culpam o pescoço pelo corte da guilhotina.
Misturam militares, “povo imbecil” e intimidações como ingredientes do
golpismo. Esquecem-se da
corrupção endêmica e da secular desigualdade social. Da anemia crônica
da justiça e da democracia. Valem-se da crise fabricada para legitimar
sua arrogância e autoritarismo.
Não
seria temeridade dizer: a classe média sediciosa quer mostrar sua
importância. Após subir na vida utilizando expedientes deploráveis,
obter atestado de crédito e moralidade por meio cartões de agências
bancárias, agora quer ser reconhecida por seus préstimos a quem nos
sufoca. Pleiteia acesso à sala de jantar de financistas e de oligarquias. Não como convidada, mas como serviçal. Satisfaz-se realizando serviços menores, algumas atividades insalubres e pequenas violações de direitos,
com as quais seus patrocinadores não se comprometem. Estes mantêm
limpas suas mãos. Deixam o trabalho sujo para operadores, cães de
guarda, criminosos comuns, jagunços do cerrado, ubermagistrados e
habituais jornalistas do caixa dois.
Neste
país desigual e injusto, os fatos não falam por si. Costumeiramente nos
enganam. São subsumidos por suas versões. Ganham o colorido que donos
de pautas e manchetes imprimem nas nossas cabeças. Como diz o samba
canção, as dores da gente não saem nos jornais.
Há
poucos dias, uma bomba pouco explosiva, causadora de falso atentado,
importada da Venezuela, foi plantada em instituto em São Paulo,
ardilosamente chamado Lula. Coquetéis
de gasolina, sabor suave e levemente inflamável, foram lançados de
monomotor, para celebrar dias de férias de trabalhadores sem terra,
acampados em Minas Gerais.
Alguns
pareceres do Ministério Público são hilários. Isentam recursos e espaço
públicos de malversação e uso privado, bem como abacaxis e jaboticabas
de nascer nas pistas ociosas de Montezuma. Já que fraudes costumam fugir
de gavetas, mandam arquivar aeroportos e prender o mordomo.
Antiquados e eficazes aparelhos da burguesia estão sendo revitalizados pela modernosa restauração liberal.
Mas, versões e provocações se combinam. Ferem o senso crítico e desmerecem a consciência coletiva.
Outro
dia, um cidadão, que se disse capitão de corveta, dirigiu-se a
lançamento de livros no Rio de Janeiro. Afirmava trazer abraços de dois
notórios fascistas para o autor, o frade dominicano Carlos Alberto
Libânio Christo, Frei Betto. Tratava-se de uma provocação? Jamais.
Apenas um gesto de cordialidade.
Pequenos, mas emblemáticos fatos são reveladores da cultura que nos cerca.
O
fascismo, reabilitado pela furiosa vanguarda liberal, não precisa
recorrer às armas convencionais para golpear a democracia. Dispõe de
armamento mais sutil e sofisticado. O dinheiro de bancos, parlamentos
alugados por grandes empresas, indústrias da falsificação e da inverdade, reverberações premiada pelo marketing da catástrofe, ONGs sustentáveis e humanitárias de George Soros, tribunais da injustiça, que sentenciam quem querem e bem entendem. Se
este arsenal for insuficiente, apela para aparatos repressivos de
costume, a exemplo do que ocorreu no Paraná e em São Paulo.
O
fascismo é consórcio de gente parasitária. De camadas médias,
autodenominadas empreendedoras, que se sentem ameaçadas pela ampliação
de direitos, e de lumpens, dispostos a qualquer coisa em troca de
favores. É a massa de manobra preferencial da aristocracia improdutiva,
financeira e latifundiária, em franco processo de degenerescência. Esta
gente não enxerga horizontes socializatórios. Ressuscita e mobiliza seus
espectros, o ódio às minorias, a criminalização de movimentos sociais, a
aversão a sindicatos, o jugo de mulheres, as máquinas de
terror, o belicismo e prisões, a discriminação de homossexuais, o
desprezo por crianças e adolescentes. Reinventa, modernamente, sua
barbárie passada com auxílio do marketing e da manipulação das “belas
causas”. Insidioso, convida-nos para sua celebração hedionda. Franqueia sua sala de jantar.
Cuidemo-nos, todos, para não ser parte do seu cardápio.
* Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG
As
afirmações e conceitos emitidos em artigos assinados são de absoluta
responsabilidade dos seus autores, não expressando necessariamente a
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