OS PARTIDOS ESTÃO COLAPSANDO?
José Álvaro Moisés
Pesquisa recente do Ibope
sobre a confiança dos brasileiros em instituições democráticas mostrou
que partidos são as instituições mais desacreditadas pela população.
Mais de 80% dos entrevistados afirmaram não confiar em partidos. O
índice repete o que minhas pesquisas de 2006 e 2014 mostraram: a
desconfiança chegou a 81 e 84% respectivamente. E perguntados se a
democracia pode funcionar sem partidos, mais de 30% responderam sim em
2006, mas o percentual subiu para 45% em 2014. Quase metade da população
brasileira parece estar deixando de ver os partidos como essenciais ao
regime democrático.
O problema ganhou as ruas nos protestos de
2013. Grande parte dos manifestantes repudiou a participação de partidos
ou rejeitou seu papel de representação. Não foi suficiente, contudo,
para levar os líderes partidários a enfrentar a situação. E Operação
Lava Jato está revelando aspectos mais complexos e profundos do
problema: não é só o caixa dois das campanhas eleitorais, mas a
existência de um poderoso esquema de desvio de recursos para partidos,
dirigentes de empresas estatais e personagens emblemáticas como o
ex-ministro José Dirceu, do PT. Ou seja, mesmo partidos de esquerda
abandonaram a res publica como objetivo da democracia.
Alguns
analistas sustentam que como ocorreu com a Democracia Cristã, o PSI e o
Liberal na Itália, em consequência da operação Mãos Limpas - que nos
anos 90 lançou luz sobre a gigantesca rede de corrupção que dominava a
vida política e econômica daquele país - o sistema partidário brasileiro
também pode colapsar. A hipótese traduz avaliação negativa sobre a mais
importante operação de enfrentamento da corrupção realizada no Brasil, e
prenuncia efeitos devastadores para o sistema político; no fundo,
questiona se a Operação Lava Jato deve continuar, sem admitir que o
abuso de poder dos partidos de governo compromete a qualidade da
democracia.
Os partidos vivem o seu pior momento desde o fim do
processo de democratização. Após mobilizar corações e mentes para o
resgate da dignidade da política, o PT traiu seus princípios, aceitou a
cultura dos mal feitos e, sem conseguir se explicar, perde a confiança
de eleitores e militantes. Opondo-se a parte das políticas de ajuste do
seu governo, disputa posições de poder com seu principal aliado, mas
sofre sucessivas derrotas no Congresso sem que o PMDB abra mão de cargos
no governo. A síndrome afeta toda a base aliada que, sem coerência
programática e de costas para a sociedade, busca benefícios sem dar
contrapartida. A oposição tampouco está melhor, PSDB, PPS e DEM sem
definir rumos claros, oscilam entre o impeachment de Dilma, eleições
fora de regras constitucionais e apoio a aumentos de gastos públicos que
contrariam suas posições programáticas. Os sinais são confusos, não
oferecem alternativas e indicam irracionalidade no enfrentamento da
crise.
O sistema partidário brasileiro tem algo de paradoxal:
além de sua perturbadora fragmentação e a constante troca de legendas
por parlamentares, os partidos são chamados a garantir a governabilidade
do país no Congresso, mas dão pouca ou nenhuma importância para sua
conexão com os eleitores, que desconfiam deles, não têm preferência
partidária e não querem se filiar. O que conta não é o que os partidos
significam para a sociedade, mas como seus arranjos facilitam que os
dirigentes – que em muitos casos se perpetuam nas direções - conquistem
ou mantenham posições de poder.
Mas posições de poder para que? A
explicação está faltando para os eleitores e para a sociedade. Alguns
acham que o quadro é normal, partidos existem para conquistar o poder e,
se conseguem isso, importa pouco se sinalizam ou não algo de
substantivo para os eleitores; é uma opção pragmática, autojustificada,
que contamina todo o espectro partidário: já tomou conta do PT, confirma
o que faz o PMDB, e avança entre partidos de oposição. Mas segundo
Tarso Genro, ex-governador gaúcho, no caso do PT o ciclo está se
encerrando; para Frei Beto, amigo de Lula, a busca pura e simples do
poder condenou o PT, e para o filósofo José Arthur Giannotti,
simpatizante do PSDB, para além de viabilizar as carreiras políticas
individuais de seus líderes, o PSDB precisa provar que tem coerência com
o seu programa socialdemocrata.
Os partidos têm, portanto,
problemas que ultrapassam as distorções reveladas pela Lava Jato. Como
ocorreu na Itália dos anos 90, não será a fragilização ou eliminação de
regras e procedimentos de fiscalização e o controle que os salvarão.
Partidos têm o monopólio da representação dos cidadãos e, por isso, se o
contingente de eleitores que os desqualifica cresce, algo está errado.
Representar significa estar no lugar de e, para isso, os representantes
precisam ouvir, se comunicar e se constituir em referência para as
escolhas dos eleitores.
Evitar o colapso dos partidos só depende
da capacidade de seus lideres de reconhecer a natureza da crise e
reagir antes que seja tarde demais. Eles precisam dizer com clareza como
pretendem reconquistar a confiança dos eleitores e explicar, por
exemplo, por que os partidos não consultam filiados e simpatizantes para
a escolha de candidatos e programas. Precisam, sobretudo, assumir claro
compromisso anticorrupção para recuperar os valores republicanos. Mas é
ilusório pensar que isso vale só para o PT e a situação, a oposição
também precisa se comprometer com o aprofundamento da democracia
brasileira. E a solução não está em impedir a continuação da Lava Jato,
mas em apoiá-la.
José Álvaro Moisés, da USP, é autor do livro DESCONFIANÇA POLÍTICA E SEUS IMPACTOS NA QUALIDADE DA DEMOCRACIA.
(Publicado originalmente no Estadão)
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