Tendo escrito alguns artigos críticos sobre as comemorações pelo
primeiro aniversário da morte do ex-governador Eduardo Campos (por quem
teria uma fixação, conforme um leitor), alguém me replicou se não teria
havido algum avanço na política de Pernambuco, com o reinado do
"Imperador". É interessante a pergunta porque a oligarquia dos Campos
pôs em circulação várias caras novas (de auditores fiscais) na
administração municipal e estadual e ainda trouxe o afilhado do cacique
do PMDB para a vice-governança do Estado. Num debate radiofônico com o
sociólogo José Arlindo Soares, a alegação de renovação política foi
exatamente esta: as caras novas arregimentadas pelo ex-governador. Mas
será que isso é o suficiente para se falar de renovação?
Vamos aos fatos. O nosso Estado sempre foi caracterizado por uma intensa polarização política entre dois lados, duas correntes políticas, desde a época da UDN e o PSD/PTB/PSB/PCB. Polarização que se acentuou com bipartidarismo oficial criado pela Ditadura Militar. Depois da redemocratização, continuou com o PFL e o PMDB, até a aliança de Jarbas Vasconcelos com a direita pefelista. A partir dai, abriu-se uma novação polarização entre a aliança conservadora jarbista e a frente popular de Pernambuco, com o PSB/PC do B/PT etc. Era o lado da direita e o lado da esquerda. As tímidas e frágeis tentativas de se achar uma terceira via em nosso Estado nunca deram certo: primeiro o PPS, depois o PT, agora o PSOL etc. A polarização se mantém.
A derrota do PT em Recife e na eleição passada contribuiu muito para o reforço dessa polarização. Se o PT não tivesse cometido os erros internos e em sua política de alianças que cometeu, nas duas eleições passadas, poderia ter criado essa terceira via, a partir da Prefeitura do Recife. Infelizmente, mordeu a isca envenenada atirada pelo ex-governador e o seu cavalo-de-troia: Maurício Rands. A derrota do PT fortaleceu muito a hegemonia da oligarquia dos Campos, porque a política estadual retomou a sua polarização imobilista e atrasada. Pior: com a desestruturação do quadro partidário de Pernambuco, cooptou a direita, ampliou o palanque, e a mitologia de um Estado de tradições tão aguerridas foi trocada pela foto de uma cidade do interior, onde quase todos (inclusive, a ex-oposição) passou a "comer na mão" do prefeito e do governador. Antigos adversários (como o PPS) estão a ponto de se fundir com o PSB, numa espécie de oportunismo eleitoral e partidário que dá dor.
Mais desolador é o retrato, a imagem dessa política interiorana na comemoração necrófila da morte do ex-governador. A pobre viúva, carregando nos braços o filho caçula, rodeada pelos infantes e os cortesães. Nunca a política pernambucana esteve tão próxima da socialização política interiorana: a família, os parentes, os afilhados e protegidos e os oportunistas de todos os matizes. O familismo amoral na sua essência mais pura, mais telúrica e regional, como uma tapioca ou uma feijoada.
Capítulo à parte foi a publicação dos discursos, palestras, conferências, intervenções do líder, do chefe tragicamente desaparecido. Surpresa: ninguém sabia dos dotes literários do ex-governador. O ghostwriter deve ter trabalhado muito para lustrar a prosa do chefe e transformá-lo na personalidade política do ano ou da década, quem sabe. Este festim diabólico deve ter convencido a opinião pública nacional que aqui em Pernambuco são os mortos, os desaparecidos que comandam a política dos vivos, que continuam carpindo chorosamente a morte do falecido como forma de se manter e ampliar o seu poder oligárquico. E haja retrocesso!
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da UFPE e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE
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