Este editor anda um pouco afastado do debate político e as razões não são tão simples. As exigências de leituras do curso sobre: O QUE LER PARA ENTENDER O BRASIL é um dos motivos. Afora a bibliografia recomendada pelo professor, soma-se as inúmeras sugestões de leituras complementares recomendadas pelos alunos e alunas, não menos importantes. E, já que estamos tratando nesta postagem de um dos maiores intérpretes do país, vale uma observação de Gilberto Freyre de que o Brasil precisa ser estudado de fora, de preferência a partir dos continentes asiático e africano. Goa e Moçambique podem oferecer pistas importantes para entender o país.
Por outro lado, há, de nossa parte, um pouco de decepção com os rumos que este país está tomando. Seja qual for o resultado das urnas - torçamos para que possamos manter a sobrevida de nossa experiência de democracia - o fato concreto é que o ideário conservador - com suas tonalidades de ultra-direita, fascista e autoritária - está ganhando musculatura e capilariedade política na sociedade brasileira, a julgar pelos resultados das eleições de outubro, onde próceres representantes dessas plataformas políticas foram contemplados com assentos nas casas legislativas e nos executivos estaduais. Confirma-se aqui uma tendência que os analistas já vinham observando desde eleições anteriores.
Talvez as forças do campo progressista não estejam dimensionando corretamente o perfil de nosso conservadorismo e subestimando a pauta de costumes, tão ou mais importante do que a agenda econômica. Essa estória de comer índio pode ter um efeito devastador, daí se entender que o adversário esteja recorrendo ao TSE para tirar do ar. O despertar para a agenda de costumes é ainda recente, não sabemos se suficiente para estancar a sangria. Chegaram, por exemplo, a um denominador sobre o aborto: Pessoalmente sou contra, mas quem decide é a mulher, que está grávida. Aqui em Pernambuco, a política chegou ao fundo do poço. Estamos diante de uma Síndrome de Estocolmo tupiniquim. Até escrevemos sobre o tema, mas optamos por não publicar o texto, porque precisaríamos dizer algumas verdades que poderiam não ser bem assimiladas pelos atores políticos envolvidos. Publicaremos mais tarde, quando a poeira abaixar.
Mas, em meio a essas turbulências políticas, eis que a Fundação Gilberto Freyre anuncia o vencedor do concurso de ensaio sobre o escritor pernambucano, relativo ao exercício de 2022. A vida do escritor de Casa Grande & Sanzala é marcada por muitas contradições, seja no campo das ideias, seja na vida pessoal, seja no que concerne às suas posições políticas. Há uma gama enorme de textos tratando deste assunto. Gustavo Mesquita, historiador goianense, foi o vencedor do concurso deste ano, com um ensaio sobre a relação das ideias do escritor com o Estado Novo, notadamente, com relação às suas proposições regionalistas.
Não vamos aqui entrar no mérito de como o regionalismo conviveu políticamente com as teses do Estado Novo, pois temos certeza que Gustavo deve ter dado conta desta questão, certamente com muita competência, posto que foi indicado para receber o prêmio. Curioso que, politicamente, esse embate de Gilberto Fryre com o Estado Novo é semre posto como um "saldo políticamente positivo' do sociólogo de Apipucos, sobretudo em contraposição às referências às suas relações com a Ditadura Militar, imposta ao país pelo Golpe civil-militar de 1964.
Há até bons argmentos para isso, como as duas prisões das quais foi vítima; o atentado perpetrado contra ele na Pracinha do Diario; As "trincheiras políticas' montadas na redação do Diário de Pernambuco e na Faculdade de Direito do Recife. Em razão dos seus artigos no vespertino pernambucano, o jornalista Aníbal Fernandes, amigo de Gilberto Freyre, levou uma camada de pau - como se diz aqui no Nordeste - quando chegava à sua residência no bairro de Boa Viagem. Salvo melhor juízo, o artigo escrito por Gilberto Freyre que desagradou profundamente o interventor Agamenon Magalhães dizia respeito à sua contraposição em relação à Liga Contra os Mocambos, um projeto de corte higienista da Interventoria do Estado, que pretendia acabar com as palafitas da cidade, ao transferi-la para lá dos Macacos, uma comunidade localizada na cidade de São Lourenço da Mata, que fica na Região Metropolitana do Recife.
Assim como em relação à família Lundgren, em Paulista, a indisposição de Agamenon Magalhães com Gilberto Freyre se dava, sobretudo, por ambos representarem interesses de oligarquias antagônicas. Enquando o China Gordo - apelido de Agamenon Magalhães - era um ilustre representante das oligarquias sertanejas dedicadas à criação de gado e ao cultivo do algodão, Gilberto Freyre era um Menino de Engenho, orgânica e politicamente vinculado à aristocracia açucareira da Zona da Mata do Estado.
Quando o Estado Novo foi instaurado, o então governador Estácio Coimbra perdeu o mandato e foi embora para o exílio juntamente com seu chefe de gabinete à época, o jovem Gilberto Freyre. Se, de acordo com o pensamento de sua família, o desenvolvimento de seu talento e capacidade não teriam condições de serem aprimorados plenamente aqui na província - daí o esforços para enviá-lo para estudar nos Estados Unidos - por outro, lado, ao regressar de sua temporada de estudos no exterior, o mestre de Apipucos ficou completamente perdido no tocante às suas inclinações profissionais. Neste período, as ideias mais estapafúrdias se passaram por sua cabeça. Algumas delas bem distante dos esforços empreendidos nos estudos nos Estados Unidos.
Difícil dizer como se deram os arranjos políticos para indicá-lo a assumir a Chefia de Gabinete do ex-governador Estácio Coimbra. Modestamente, talvez pudéssemos fazer um link aqui com Gustavo, ao nos referirmos à relação de Gilberto com as religiões de matriz africana, quando se sabia das indisposições do Estado Novo com essas práticas religiosas aqui no Estado, pois recebia o apoio efetivo de setores da Igreja Católica. Segundo um ex-colega de trabalho, quando Gilberto Freyre organizou, no então Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, os primeiros congressos de religiões de matriz africana, os muros de sua residência, no bairro de Apipucos, amanheceram pichados com dizeres impublicáveis.
Um fato que reforça a tese das indisposições pontuais de Gilberto Freyre com o Estado Novo é a sua relação com Getúlio Vargas, que chegou a convidá-lo a assumir a pasta da Educação e quis interceder em favor do relaxamento de sua prisão por Agamenon Magalhães. Na realidade, como dizia aquele profundo intérprete do Brasil, aqui tudo se resolve com um tapinha nas costas - ou com um licor de pitangas, se vocês preferirem. Agamenon tinha vários motivos para se indispor com a oligarquia industrial dos Lundgren, em Paulista. A concentração latifundiária e miliciana da família Lundgren - que atuava como uma espécie de Estado paralelo; a não observância à Legislação Trabalhista, um dos grandes trunfos políticos do Estado Novo; o arsenal de armas irregulares que os Lundgren mantinha em seu poder.
Mas, o grande motivo mesmo era a posição política da família, que semre emprestou apoio aos adversários do Estado Novo. Quando esteve aqui em meados da década de 40 do século passado, o cronista Rubem Braga relata, em uma de suas belas crônicas não assinadas - mas identificadas pelo estilo - que, apesar das brigas, não era incomum, nas manhãs de domingo, o China Gordo banhar-se na banheira dos Lundgren, que mantinham o estranho hábito de tomar o primeiro banho da manhã no interior de suas fábricas. Numa greve histórica dos operários, uma das ações de sabotagem foi cortar o fornecimento de água para o banho matinal do chefe do clã familiar, que precisou contar com apoio inestimável dos serviçais para um banho de cuia, muito comum para os pobres mortais aqui da região.
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