Estamos vivendo uma época de franco retrocesso das conquistas garantistas e protetivas dos direitos humanos. A lei Maria da Penha, o RPDD e a tentativa de antecipação da maioridade penal dos adolscentes e infantes, na opinião dos especialistas, acrescentando-se a equivocada tentativa de mudança do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é uma prova disso. Tempos duros e difíceis: a lei e os direitos são responsabilizados pela delinquência infanto-juvenil. E outras leis são apontados como a solução para os crimes e a violência. Se a solução para a criminalidade violenta (e cada vez mais precoce), o país de maior população carcerária do mundo (os EE.UU.) teria diminuido o número de crimes e de criminosos, com o apoio do rigor e a dureza da legislação penal. E no entanto, só aumentam os crimes e os criminosos e a periculosidade dos crimes.
Talvez o enfoque devesse ser outro: pesquisar as causas, não as consequencias. O horror das consequencias tem sido bom para vender jornais, aumentar a audiencia, ajudar a gestores em crise de popularidade e cortejar o sentimento de vingança e retaliação da classe média urbana brasileira. Mas não ajuda a entender o que se passa nas grandes cidades brasileiras, onde a crise da família, a crise da escola e as disfunções do mercado de trabalho estão presentes. O crime é uma metáfora social, como disse muito bem uma colunista da Folha de São Paulo, a propósito do rumoroso sequestro do publicitário W. Olivetto. É uma metáfora porque o "instinto maligno" ou a personalidade criminosa não são inatos ou hereditários, como alguns desinformados costumam pensar. Por outro lado, há muito tempo que a origem do direito penal está associada à vindinta ou a retaliação, desde os costumes bárbaros dos god os e visigodos no início da era cristã. Sendo a legislação moderna uma racionalização dessa vindinta ou retaliação. O filósofo alemão Nietzsche também disse o mesmo em "a genealogia da moral", justificando a violência dos fortes contra os fracos.
De toda maneira, a ética cristã é que inaugurou a idéia, não da vingança mas do perdão, da compreensão, da sublimação do ódio em face da dor de uma perda de um ente querido ou familiar. E outro grande reformador do direito, Beccaria, foi quem instituiu a gradação racional dos delitos e das penas. O passo seguinte foi pensar o castigo e a prisão como espaço de ressocialização das atitudes humanas, no sentido na reinserção produtivo dos apenados à sociedade. De toda maneira, quando se compara a chamada "era dos direitos" e a universalização da dignidade humana como valor, em lugar da honra e do status, a sensação que fica é que todo o avanço na compreensão do crime e do criminoso ficou para atrás. A impotência da sociedade (e do seu aparelho de segurança) diante do desajuste social e de suas instituições de controle (a família, a escola, a igreja e o trabalho), conduziu a uma pato logização e criminalização do desajuste social,sem querer colocar em causa os valores, a mentalidade, a forma de vida, os padrões de sucesso e realização pessoal das pessoas. Que sociedade é essa que condena crianças e adolescentes ao encaceramento precoce, sem se perguntar por que deliquem, por que roubam ou matam?
Talvez porque seja mais fácil e mais cômodo acusar as vítimas do que apontar as causas sociais. Talvez não se queira admitir, em função de um perverso mecanismo de defesa, que há muita coisa errada na organização desta sociedade, sempre pronta a punir pobres, pretos, homossexuais e prostitutas, do que a aceitar que a desigualdade, o efeito de demonstração da sociedade de consumo e os modelos de exito e reconhecimento social estão errados. Que as políticas públicas não estão produzindo os efeitos desejados e o discursos de políticos, psiquiatras, desembargadores, publicistas e outros em torno da maioridade penal, são muito semelhantes ao dos carracos voluntários, da Alemanha nazista. Sejam claros e direitos e defendam abertamente a faxina social, a limpeza étnica ou o extermínio dos pobres e miseráveis, para ver se dormem em paz durante a noite, sem ouvir os gritos e os apelos dos que sof rem, dos que não têm onde dormir ou o que comer.
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