ESTOICISMO, FISIOLOGISMO E IGNORÂNCIA
Por Carlos Chagas
Estoicismo, obstinação
e sacrifício podem definir a longa sessão de quase 23 horas na Câmara
dos Deputados, encerrada às 10 horas da manhã de ontem. No reverso da
medalha, verificou-se fisiologismo, radicalismo e ignorância.
Estoicismo por parte
do presidente da casa, Henrique Eduardo Alves, que presidiu os trabalhos
sem ausentar-se um minuto sequer, engolindo sapos e distribuindo
gentilezas, tudo na determinação de ver aprovada a Medida Provisória dos
Portos e cumprir seu pacto de lealdade para com o governo Dilma.
Obstinação dos
líderes da base parlamentar do governo em não ceder às manobras de
obstrução das oposições.
Sacrifício feito
pela maioria dos deputados que apóiam o palácio do Planalto,
permanecendo em vigília por quase um dia, sem arredar pé do plenário. E
isso depois de terem passado em claro a madrugada da véspera, quando se
iniciaram os debates. Em suma, 36 horas sem dormir.
Agora, fisiologismo
aos montes, tanto por parte daqueles deputados sem nome, moradores dos
grotões, que deram ao governo o troco por não terem atendidos seus
pedidos de liberação de verbas, assim como pela falta de consideração da
presidente Dilma para com eles.
Radicalismo das
oposições que quase conseguiram obstar a aprovação da MP, dizendo-se em
obstrução e não aceitando entendimento com as bancadas oficiais.
E ignorância do
governo e seus coordenadores políticos, infensos a entender-se com os
grupos descontentes de sua própria base parlamentar e, mais do que isso,
fornecendo aos jornais de ontem manchetes como a de que o Executivo
estava pronto para vetar artigos do texto a ser aprovado, mesmo sabendo
provir de amplo acordo entre os partidos que o apóiam.
UM ALERTA, QUASE UM ULTIMATO
Terá sido a última
vez em que a presidente Dilma saiu vitoriosa na Câmara, se não mudar de
estratégia no trato com os deputados de sua base. Grande foi a reação do
PMDB, seu braço de apoio, diante do descaso com que é tratada a maioria
das bancadas do partido. Some-se os deputados de outros partidos,
também descontentes e se verá nos números a evidência dessa rebelião
quase vitoriosa. Entre 513 deputados, são 410 aqueles nominalmente
governistas, mas muitas mágicas precisaram ser feitas para que 257 deles
formassem o quorum imprescindível à aprovação da redação final da
Medida Provisória. O presidente Henrique Alves precisou esticar a
sessão, permitindo discursos longos e inócuos dos líderes, para dar
tempo aos deputados da base que em sinal de protesto
tinham ido para casa dormir. Foram acordados e cederam a apelos
para retornar e dar número. Basta fazer a conta e ver que o Executivo
não contará mais com 153 partidários, caso não altere seu
relacionamento com o Legislativo.
QUEIXAS E ACUSAÇÕES
Foram numerosas as
agressões trocadas entre deputados da oposição e da base oficial, com
ênfase para o entrevero entre Anthony Garotinho, do PR, e Ronaldo
Caiado, do DEM, sem esquecer que o primeiro acusou o PT e o governo de
aprovarem um texto que beneficiaria o empresário Daniel Dantas. Mesmo
assim, no final, Garotinho alinhou-se à corrente oficial.
Houve até deputado que
acusou a bancada da maioria de “mulher de malandro, aquela que gosta
de apanhar”, por conta da humilhação de ceder ao autoritarismo
governamental. Durante a maior parte das 23 horas de debates foi rotina
o desrespeito entre os oradores, situação apenas esmaecida quando
ficou claro, na última votação, que a MP seria aprovada. No fim, para
situação e oposição, tudo não passou de uma demonstração de que a
democracia funciona entre nós.
BAIXARIA
Para quem acompanhou
tantas horas de discursos e firulas regimentais, saltou aos olhos um
expediente ridículo e histriônico adotado por montes de deputados, que
interrompiam oradores e até o presidente da Câmara para agarrar um dos
microfones de aparte e gritar que “aqui fala o deputado Fulano de Tal,
para registrar que votou com o seu partido”. Ora bolas, se votaram, o
painel de votações registrou e o Diário do Congresso publicará. Na
verdade, essas centenas de intervenções deviam-se apenas ao desejo
desses mal-educados de aparecer na TV e na Rádio-Câmara. A partir de
uma certa hora o presidente Henrique Alves passou a desconhecer e até a
desprezar essas grosseria, sem sequer agradecer pela comunicação. Essa
prática tem-se repetido há anos, mas nas madrugadas de quarta-feira e
de ontem, multiplicaram-se. Uma lástima.
SENADO OU APÊNDICE?
A Câmara levou os
dias que quis, ou que pode, para aprovar a Medida Provisória, sendo a
decisão levada por volta do meio-dia de ontem para o Senado, o qual,
humilhantemente, dispunha de apenas 12 horas para discutir e votar o
texto, sob pena dele caducar, frustrando os interesses do governo.
Transformados em apêndice desimportante dos deputados, os senadores
precisam tomar cuidado para que não germine outra vez a teve do
unicameralismo no país.
(Publicado originalmente na coluna do jornalista Cláudio Humberto)
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