publicado em 26 de maio de 2013 às 9:37
por Marcos Coimbra, em CartaCapital, encaminhado via e-mail por Julio Cesar Macedo Amorim
O pensamento conservador brasileiro – na política, na mídia, no meio
acadêmico, na sociedade – tem horror ao Bolsa Família. É só colocar dois
conservadores para conversar que, mais cedo ou mais tarde, acabam
falando mal do programa.
Não é apenas no Brasil que conservadores abominam iniciativas desse
tipo. No mundo inteiro, a expansão da cidadania social e a consolidação
do chamado “Estado do Bem-Estar” aconteceu, apesar de sua reação.
Costumamos nos esquecer dos “sólidos argumentos” que se opunham
contra políticas que hoje em dia são vistas como naturais e se tornaram
rotina. Quem discutiria, atualmente, a necessidade da Previdência
Social, da ação do Estado na saúde pública, na assistência médica e na
educação continuada?
Mas todas já foram consideradas áreas interditas ao Estado. Que
melhor funcionariam se permanecessem regidas, exclusivamente, pela
“dinâmica do mercado”.
Tem quem pode, paga quem consegue. Mesmo se bem-intencionado, o
“estatismo” terminaria por desencorajar os esforço individual e provocar
o agravamento – em vez da solução – do problema original.
O axioma do pensamento conservador é simples: a cada vez que se “ajuda” um pobre, fabricam-se mais pobres.
Passaram-se os tempos e ninguém mais diz essas barbaridades, ainda que muitos continuem a acreditar nelas.
Hoje, o alvo principal das críticas conservadoras são os programas de
transferência direta de renda. Naturalmente, os que crescem e se
consolidam. Se permanecerem pequenos, são vistos até com simpatia, uma
espécie de aceno que sinaliza a “preocupação social” de seus
formuladores. Mas é uma relação ambígua: ao mesmo tempo que criticam os
programas de larga escala, dizem-se seus mentores. Da versão “correta”.
Veja-se a polêmica de quem inventou o Bolsa Família: irrelevante para a opinião pública, mas central para as oposições.
À medida que o programa avançou e se expandiu ao longo do primeiro
governo Lula, tornando-se sua marca mais conhecida e aprovada, sua
paternidade começou a ser reivindicada pelo PSDB. Argumentavam que sua
origem era um programa instituído pelo prefeito tucano de Campinas, José
Roberto Magalhães Teixeira, em 1994.
Ele criou de fato o Programa Renda Mínima, que complementava a
receita de pessoas em situação de miséria. Por razões evidentes,
limitava-se à cidade e beneficiava apenas 2,5 mil famílias, com uma
administração tão complexa que era impossível expandi-lo com os recursos
da prefeitura.
Tem sentido dizer que o Bolsa Família nasceu assim? Que esse pequeno
experimento local é a matriz do que temos hoje? O maior e mais bem
avaliado programa do gênero existente no mundo e que serve de modelo
para países ricos e pobres?
O que a discussão sobre o Renda Mínima de Campinas levanta é uma pergunta: se o PSDB estava convencido da necessidade de elaborar um programa nacional baseado nele, por que não o fez?
O que a discussão sobre o Renda Mínima de Campinas levanta é uma pergunta: se o PSDB estava convencido da necessidade de elaborar um programa nacional baseado nele, por que não o fez?
Não foi Fernando Henrique Cardoso quem venceu a eleição de 1994? O
novo presidente não era amigo e correligionário do prefeito? Ou será que
FHC não levou o programa do companheiro para o nível federal por
ignorá-lo?
Quem sabe conhecesse a iniciativa e até a aplaudisse, mas não fazia
parte do arsenal de medidas que achava adequadas para enfrentar o
problema da pobreza. Não eram “coisas desse tipo”que o Brasil precisava.
Goste-se ou não de Lula, o fato é que o Bolsa Família só nasceu
quando ele chegou à Presidência. E é muito provável que não existisse se
José Serra tivesse vencido aquela eleição.
Fazer a arqueologia do programa é bizantino. Para as pessoas comuns
não quer dizer nada. Como se vê nas pesquisas, acham até engraçado
sustentar que o Bolsa Família não tem a cara do Lula.
Não é isso, no entanto, o que pensam os conservadores. Para eles,
continua a ser necessário evitar que essa bandeira permaneça nas mãos do
ex-presidente.
O curioso é que não gostam do programa. E que, toda vez que o
discutem, só conseguem pensar no que fazer para excluir beneficiários:
são obcecados pela ideia de “porta de saída”.
Outro dia, tudo isso estava em um editorial de O Globo
intitulado “efeitos colaterais do Bolsa Família”: a tese da
ancestralidade tucana, a depreciação do programa – apresentado como
reunião de “linhas de sustentação social (?) já existentes”- a opinião
de que teria ficado “grande demais”, a crítica de que causaria escassez
de mão de obra no Nordeste, e por aí vai (em momento revelador, escreveu
“Era FHC” e “período Lula” – como se somente o primeiro merecesse a
maiúscula).
Para a oposição – especialmente a menos informada -, o Bolsa Família é
o grande culpado pela reeleição de Lula e a vitória de Dilma Rousseff.
Não admira que o deteste.
Para os políticos, as coisas são, porém, mais complicadas. Como hostilizar um programa que a população apoia?
Por isso, quando vão à rua disputar eleições, se apresentam como seus
defensores. Como na inesquecível campanha de Serra em 2010: “Eu sou o
Zé que vai continuar a obra do Lula!”. Alguém acredita?
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