Pernambuco sempre deu uma grande contribuição ao folclore político nacional. Nas décadas de 30\40 do século passado, por exemplo, tínhamos aqui na província uma raposa política que deixou reflexões emblemáticas sobre o exercicio ou arte do fazer política, como o ex-governador e ex-interventor Agamenon Magalhães. Em períodos de ambientes políticos igualmente nublados, como o pós-1964, figuras como a do governador biônico Paulo Guerra também deixaram suas contribuições ao folclore político pernambucano, ao cunhar expressões das mais realísticas sobre o nosso cotidiano.
O ex-governador pernambucano - ungido ao cargo pelos militares em razão de sua origem social e ligações com as tessituras golpistas de então - observava que, em política, não existem as palavras "nunca" nem "jamais", quando se referia aos arranjos ou acordos políticos quase impossíveis de serem explicados pelo caminho da racionalidade ou da coerência ideológica. Ou seja, estávamos tratando aqui de acordos celebrados apenas em razão dos interesses pessoais - não necessariamente de caráter republicanos - entre os atores políticos.
O ex-governador Eduardo Campos, neto de Miguel Arraes, acabou evidenciando que a tese de Paulo Guerra fazia todo sentido, ao homenageá-lo com o nome do Hospital da Restauração, que passou a ser denominado de Hospital da Restauração Governador Paulo Guerra. Ao longo do tempo, revelações históricas iriam demonstrar que ele não caiu nas graças dos militares apenas pelo seu paladar açucarado, uma vez que pertencia à chamada açucarocracia pernambucana. O que não há mais como saber é se o ex-governador Eduardo Campos conhecia esses fatos.
O Brasil como um todo, mas Pernambuco em particular, é marcado por uma ambiente político visceralmente fisiológico, patrimonialista, orientado por interesses familiares ou de grupelhos a eles consorciados, naquilo que o cientista político Edward Benfield definiu muito bem em tratado como o familismo amoral. O estudo de Benfield - frequentemente convidado a visitar o nosso estado por este editor - foi realizado numa aldeia da Itália, mas cai como uma luva se desejarmos entender a dinâmica do nosso ambiente político provinciano.
522 anos depois do descobrimento, nas últimas eleições estaduais, os eleitores pernambucanos tiveram como opção eleger para o Governo do Estado rebentos ou herdeiros de três grandes estruturas oligárquicas\familiares, com décadas de atuação política. Nossa dita "esquerda", com raríssimas e honrosas exceções, por osmose, acabou se adaptando demasiadamente a tal ambiente político, e passou a arientar-se por interesses particularistas, fisiológicos, fazendo jus à identificação de uma esquerda do tipo caviar, carnavalesca, que negocia seus princípios pelas prependas oferecidas por essas oligarquias, fazendo vistas grossas às injustiças cometidas no plano dos indivíduos subjugados e difamados em razão do delito de opinião e coisas do gênero.
Como se já não bastassem os cargos ocupados em instituições federais com representação no Estado, alguns dos seus ilustres representantes já estão coxeando o alambrado do Palácio do Campo das Princesas, à procura de espaço para acomodar seus apaninguados. O pior é que esses atores ungidos assumem esses cargos sem nunhum projeto em mente, cumprindo apenas os ritos comezinhos e auferindo os dividendos e liturgias do cargo, representando, em última análise, um grande prejuízo para a mais-valia pública. Isso para não entrarmos aqui nas outras possibilidades, menos republicanas ainda.
A despeito das narrativas e lacrações conhecidas, eles se assemelham bastante às mesmas práticas condenadas nos adversários políticos. A expressão usada por um amigo, Esqueda Pé na Jaca, se aplica perfeitamente a tal contexto, determinando o DNA ou perfil de nossa esquerda festiva, movida unicamente por interesses pessoais, que abandonou completamente os projetos coletivos. Mais grave é que ainda usam, em vão, o nome do autêntico educador pernambucano Paulo Freire para se escudarem em relação a essas críticas. Tenham pelo menos a decência de permitir um pouco de paz ao educador do país de Casa Amarela. É injusto que ele seja usado, literalmente, como escudo de proteção ética para pessoas sem escrúpulos, guiados por motivações vis, travestidos de bons samaritanos.
Aliás, o termo "travestidos" se aplica perfeitamente a alguns desses atores, pois, assim como as Dianas de Pastoril - com todo o respeito que as Dianas merecem deste editor - eles usam sempre vestes de duas cores e são passíveis de mudarem de lado a qualquer momento, consoante as nuvens políticas sinalizem alguma mudança. A coisa é tão asquerosa e abjeta que, se porventura os militares voltassem ao pode através de um golpe de Estado, no outro dia haveria uma fila de lambedores de botas para recebê-los, com honras, em algumas repartições públicas.
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