Há uma antiga teoria conspiratória na história do Brasil que chama de "flores exóticas" as ideologias revolucionárias e contestatárias do "status quo". Primeiro, foi o liberalismo e o republicanismo. Depois, as doutrinas socialistas, anarquistas e comunistas. É como se o pensamento nativo fosse o dos índios tapuias ou tupis-guaranis: o messianismo da terra dos sem-males.
Essa teoria se aplica perfeitamente ao tratamento dispensado ao anarquismo e anarco-sindicalista em nosso país. Planta exótica trazida pelos imigrantes italianos, espanhóis e portugueses para o Brasil.
Seria o caso de se perguntar qual seria o pensamento politico e social original das Américas, antes da colonização. o historiador argentino Eduardo Galiano escreveu um belo livro intitulado "Memórias de fogo" resgatando o imaginário social das nações indígenas antes da chegada dos colonizadores espanhóis. E há quem procure nos costumes indígenas a semente do comunismo primitivo,
O certo é que quando se contrapõe as ideologias sociais europeias modernas a esse pensamento nativo e original, é para desqualificar a importação dessas formas modernas de pensamento social e perseguir seus adeptos ou militantes.
No caso do anarquismo brasileiro (e depois, do comunismo-marxista) não foi diferente. Os imigrantes europeus que para cá vieram em busca da "cocunha", da riqueza, do trabalho, da sobrevivência digna e humana, foram responsabilizados pela introdução das ideias socialistas e anarquistas no fim do século XIX e início do século XX (COMO SE NUNCA TIVESSE EXISTIDO A LUTA DE CLASSES ENTRE NÓS). É de se lembrar que eram pessoas de mentalidade cosmopolita e não alimentavam nenhuma ilusão sobre a sua inserção legal em terras brasileiras. Não acreditavam nas instituições políticas do país. "Nem pátria, nem patrão", como dizia o título de uma obra sobre esses trabalhadores estrangeiros. Num ambiente assim de exclusão social e política, era natural que uma ideologia como o anarquismo ou anarco-sindicalismo ou mesmo o sindicalismo revolucionário imperasse no circulo mais restrito dos ativistas do movimento sindical e trabalhista nos começos do século.
A questão da pureza doutrinária do anaquismo brasileiro ainda continua em aberto. Ora Kropotikin, ora Bakunin, ora Malatesta, ainda se discute os "maitres-a-penseur" do movimento libertário no Brasil. Isso sem falar no acréscimo de uma forte pitada de positivismo e evolucionismo.
O fato é que as nossas doutrinas políticas e ideológicas resultam, muitas vezes, de verdadeiros "porres ideológicos", como disse o saudoso Evaristo de Moraes Filho. Alimentaram-se do caldo de cultura formado pelo jacobinismo da época da abolição e do movimento republicano. Vários militantes do movimento social vieram desse meio.
Estudar o anarquismo brasileiro não é tarefa fácil, em razão da mixórdia ideológica que havia nesse período. Há uma confusão, por exemplo, entre anarquismo, anarco-sindicalismo e sindicalismo revolucionário. É sempre bom esclarecer que os anarquistas não viam com bons olhos a atuação sindical como forma de educar as massas e transformar a sociedade. Preferiam uma militância pedagógica, cultural, através do teatro, da literatura, dos picnics, das palestras e outras atividades culturais. Já o anarco-sindicalismo e o sindicalismo revolucionário faziam do sindicato e da luta sindical o caminho, o aprendizado da chamada "greve geral revolucionária". Os sindicatos eram organizados a partir de declarações de princípios libertários e olhados com a escola preparatória da sociedade do futuro. A corrente influenciada por George Sorel era favorável a ação direta e ao emprego de meios violentos, o que muitas vezes fazia confundir os anarco-sindicalistas com os carbonários. As correntes que mias influenciaram o movimento social no país foram o sindicalismo revolucionário e o anarco-sndicalismo. Apesar da farta matéria doutrinária do anarquismo publicado nos jornais da impensa operária.
Os ciclos das greves operárias no Brasil são vários: 1903-1907, 1912-1917, 1909-1921, quando se inicia o descenso ou o declínio do movimento anarquista no Brasil, atribuído por alguns ora a influencia da repressão policial, ora à influencia das convenções internacionais ora à concorrência do Partido Comunista Brasileiro.
A repressão policial sempre foi muito dura e eficaz, agindo muitas vezes fora da lei contra brasileiros natos ou residentes há muito tempo no país. É conhecida a famosa expressão: "A questão social não passa de um caso de polícia". A Conferencia de Versalhes, cujo presidente da República (Epitácio Pessoa) foi o delegado brasileiro, desencadeou várias ações e medidas tendentes a influenciar as leis brasileiras no sentido da adoção de uma legislação social-trabalhista. O Brasil, como signatário desses convenções foi obrigado a se enquadrar do ponto de vista legal. Finalmente, a criação do Partido Comunista Brasileiro (PCB) se constituiu em fato novo no panorama sindical e passou a concorrer com a militância anarco-sindicalista, com serias consequências para a unidade do movimento sindical. Talvez não se devesse esquecer o crescimento do sindicalismo reformista e católico na década de vinte, como fator de dificuldades para a organização autônoma dos trabalhadores.
Greves que se destacaram durante este período: a greve de 1917 em vários estados brasileiros (inclusive em Recife), a greve revolucionário de 1918, a greve geral de 1919 (em Recife e outros estados) e a derrota da greve da Mogiana (Sao Paulo) e da Great Western, em Recife). A partir daí há um relativo descenso do movimento operário, um momento de discussão interna sobre a validade da forma de organização e de luta dos sindicatos anarco-socialistas, o surgimento da crise política da República Velha com o movimento tenentista e o aumento da repressão policial. Existe também um incremento das ações legislativas no Congresso brasileiro sobre a questão social e várias tentativas de cooptação da classe operária pelo Estado.
FONTES: ANARQUISTAS E COMUNISTAS NO BRASIL, ANARQUISTAS E IMIGRANTES NO MOVIMENTO OPERÁRIO BRASILEIRO, OS COMPANHEIROS DE SÃO PAULO.
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e Coordenador do NEEPD - Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia da UFPE.
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